segunda-feira, 15 de julho de 2013

Postagem final – Morfema zero, alomorfia e processos morfológicos




Morfema zero

   Nesta postagem falaremos sobre pontos fundamentais da morfologia que são os processos morfológicos, o conceito de morfema zero e de alomorfia. Esses conceitos nos ajudam a entender melhor a morfologia da palavra, por isso são tão importantes.
   Para começar falaremos sobre morfema zero. Porém, antes de qualquer coisa, gostaria de retomar a noção de morfema proposta por Bloomfied (1926): “forma recorrente (com significado) que não pode ser analisada em formas recorrentes (significativas) menores", ou seja, é a unidade mínima de significado.
   Visto isso, vamos agora para o conceito de morfema zero. Segundo Gleason (1961:80), pode-se dizer que há morfema zero somente quando não houver nenhum morfe evidente para o morfema, isto é, quando a ausência de uma expressão numa unidade léxica se opõe à presença de morfema em outra.







O tema do pensamento a cima, da personagem de tirinhas Mafalda, é sobre o amor e faz uma crítica aos relacionamentos da nossa sociedade atual. Pensando no tema do pensamento, vamos analisar agora o verbo amar, e encontrar os morfemas zero. Primeiro vamos conjugá-lo no presente do indicativo:

Eu amo
Tu amas
Ele ama
Nós amamos
Vós amais
Eles amam

Vamos analisar o sufixo modo-temporal. Podemos perceber que em todas as pessoas em que o verbo foi conjugado este sufixo é o morfema zero. Por que? Pois esse sufixo não está visível na palavra, seu lugar está vago, por assim dizer. Vejamos melhor:

 Eu amo – SMT {O}, SNP {-o}
Tu amas – SMT {O}, SNP {-s}
Ele ama – SMT {O}, SNP {O}
Nós amamos – SMT {O},  SNP {-mos}
Vós amais – SMT {O}, SNP {-is}
Eles amam – SMT {O}, SNP {-m}

Legenda: SMT = Sufixo modo-temporal
SNP= Sufixo número-pessoal
{O} = morfema zero


 Alomorfia





   Analisemos agora esta imagem. O que ela representa?
   Podemos ver que existem milhares de bolinhas azuis com carinhas tristes e apenas uma bolinha de cor amarela com a carinha diferente. A bola amarela está diferente de todas as outras, ela está variando. E isso está relacionado com o que veremos agora... alomorfes!
   O prefixo {alo-} vem do grego {állos-} e expressa outro, diferente, diverso, em um mesmo contexto. Quando um mesmo fonema aparece com dois sons diferentes dizemos que ele sofreu uma alofonia, e cada um dos sons que ele assume é chamado de alofone. Assim como acontece em fonologia, na morfologia as diferentes formas que um mesmo morfema pode adquirir, graças ao dinamismo da línua, é chamado de alomorfes e ao processo de variação de forma única, dá-se o nome de alomorfia. Segundo Petter, os alomorfes são variações de um mesmo morfema. Vejamos os exemplos encontrados em seu livro:

(I)                            FELIZ, CRÍVEL, GRATO, REAL, MORTAL, LEGAL, ADEQUADO, HÁBIL, NATURAL

(II)                         INFELIZ, INCRÍVEL, INGRATO, IRREAL, IMORTAL, ILEGAL, INADEQUADO, INÁBIL, INATURAL                                                                               


É possível observar que no item (ii) o segmento inicial tem sempre um valor negativo e pode ser expresso foneticamente como [i], [in], [i] nasalizado. Ou seja, existem variantes de um mesmo morfema, porém vale ressaltar que eles podem ocorrer em qualquer morfema, mas nunca acontecem no mesmo contexto que o outro.

Processos morfológicos

Agora falaremos sobre os processos morfológicos.  Segundo Petter (2010), o processo morfológico é a “associação de dois ou mais elementos mórficos produzindo um novo signo linguístico”, essa associação pode ocorrer de diferentes formas e pode ser de adição, reduplicação, alternância e subtração. Vejamos agora cada um deles.

I) Adição: Como a própria palavra sugere, são afixos adicionados à base do vocábulo, ou seja, a raiz ou o radical primário (conceito de raiz e radical já foram vistos em postagens anteriores). O processo de adicionar afixos é chamado de afixação e pode ocorrer das seguintes maneiras:

a)     Prefixação: afixo inserido antes da base. Exemplos: feliz -> in-feliz; ver -> re-ver
b)     Infixação: afixo inserido dentro da base. Não acontece na língua portuguesa.
c)      Sufixação: afixo inserido depois da base. Exemplo: casa -> casa-s;
livro -> livr-eiro.
d)     Circunfixos: afixos descontínuos que circundam a raiz. Também não acontece na língua portuguesa. Vale lembrar que esses afixos adicionados não têm significado isolado.
e)     Transfixos: afixos descontínuos que atuam em uma raiz descontínua. Exemplos em hebraico. Não existe na língua portuguesa.

II) Reduplicação: ocorre quando um fonema é reduplicado, gerando ou não modificações. É interessante saber que em latim, grego e sânscrito a reduplicação é associada à flexão verbal. Esse processo pode ocorrer antes, no meio ou depois da raiz, e pode ser repetida toda a raiz ou apenas parte dela. Nas línguas crioulas está associado às noções de intensidade, interação e distribuição. Importante lembrar que segundo Petter, a reduplicação não existe em nossa língua, a não ser nos casos da linguagem infantil (exemplos: papai; mamãe; vovó; titia).

III) Alternância: é a substituição de alguns segmentos da raiz por outros de forma NÃO arbitrária. Exemplos em inglês: foot/ feet/ man/men. A alternância entre as vogais dentro da raiz é estudada pela lingüística histórica e é dividida em apofonia e metafonia.

IV) Subtração: retirada de alguns segmentos da base. No português, por exemplo, alguns femininos são formados por meio de subtração, como em órfão/órfã; anão/ anã.


 Observe agora esta imagem:



   De que trata? Qual é a mensagem que ela quer transmitir? Onde está um humor?
   Podemos ver um prato com macarrão e ovos fritos e ao lado uma caixa com alguns ovos ainda crus e neles pintados com caneta expressões faciais de medo. O humor se encontra  justamente nessas expressões. Elas mostram o medo dos ovos crus de terem o mesmo fim que seus “colegas” que estão fritos.
  Agora, por último, como um exemplo final, vamos analisar a palavra ovo, que mostra que uma palavra não sofre apenas um dos tipos de processo morfológico, mas pode ocorrer uma combinação de vários deles.
  A palavra ovo no plural ovos sofre uma sufixação do morfema {-s}, que dá o sentido de plural, e a alternância entre os fonemas entre [o] e 
[o arredondado].




sábado, 25 de maio de 2013

Entendendo a palavra

    Ciao! Hoje a postagem é especial, pois está sendo publicada diretamente da Itália! Isso mesmo, estou passeando por aqui, mas não poderia deixar minhas obrigações de lado... Então vamos lá!
Para relembrar, no post anterior vimos um pouco sobre os processos morfológicos que ajudam na constituição do vocábulo formal, e agora veremos sobre algumas unidades que formam a palavra. Veja os exemplos abaixo:


PEDRA
PEDREIRO
PEDREGULHO
APEDREJAR
PEDRARIA


   Observando essas palavras, o que elas têm em comum? É o elemento - pedr que aparece em todas as palavras, e é chamado de radical, pois indica o significado básico da palavra. Para Valter Kehdi "o radical corresponde ao elemento irredutível e comum às palavras de uma mesma família". Quando um grupo de palavras têm o mesmo radical são chamadas de palavras cognatas, como é o caso das palavras acima.
   Ainda observando o grupo de palavras, podemos verificar outro elemento constituinte do vocábulo: a raiz. A raiz tem por definição ser um morfema primitivo, originário que trás consigo o núcleo do significado e que permite que mesmo unido à outros elementos seja possível que identifiquemos seu significado, nesse caso a raiz das palavras acima também é -pedr

Agora observe o seguinte grupo de palavras:


DESMENTIR
RELEMBRAR
FELIZMENTE
CRUELDADE

   Vamos analisar agora os morfemas em vermelho. Eles são chamados de afixos pois se juntam ao radical para formar novas palavras. Eles podem ser inseridos a frente (prefixos),no meio (infixos) e atrás (sufixos). Vale lembrar que eles não têm a função de flexionar as palavras, mas sim formar novas.
   Outro elemento fundamental na construção das palavras são as desinências. Esses morfemas têm a função de flexionar as palavras variáveis. Podem ser divididas em desinências nominais e verbais. As desinências nominais indicam as flexões de gênero e número, já as verbais flexionam os verbos em número, pessoa, modo e tempo. Como por exemplo:


MENINAS desinência nominal de número  ALUNdesinência nominal de gênero  
FALÁVAMOS – desinência modo- temporal  – desinência número-pessoal

   Por último, vemos as vogais temáticas. Elas são acrescentadas a raiz ou ao radical para que a palavra possa ser flexionada. Para Kehdi elas também podem ser divididas em nominais ou verbais.

Nominais (A,E,O) aparecem quando não há variação de gênero ou de número. Por exemplo: dente, pente, casa, corpo.

Verbais (A, E ou O, I) → indicam qual é a conjugação do verbo. Respectivamente, 1ª, 2ª e 3ª conjugação.

Agora veja essa tirinha da Mafalda:


 Podemos ver que o humor da tirinha acontece por causa do uso confuso das palavras. O amigo de Mafalda começa a conversa com uma frase que sozinha não tem o menor sentido e depois a palavra amassa se confunde com massa, o que cria um problema de interpretação. Por isso, no final Mafalda classifica a conversa como uma conversa literária...
   Aplicando ao que vimos nessa postagem, podemos observar que o prefixo A muda o significado da palavra, pois quando ele está junto com massa, significa o verbo amassar, mas quando está separado tem função de artigo e significa a massa que normalmente utilizamos para fazer tortas, bolos, salgados... Portanto, assim podemos ver a importância dos elementos morfológicos na construção das palavras.
















sábado, 11 de maio de 2013

Formas livres, presas e dependentes

       Dando continuidade ao blog, hoje veremos sobre a definição de vocábulo formal, mas para isso precisamos conhecer as formas que os constituem. As formas que veremos agora foram propostas por Leonard Bloomfield (1933), famoso escritor, considerado o fundador da linguística estruturalista norte-americana.
Para ele, existem três formas:

Formas livres: Essas formas constituem uma sequência que pode funcionar isoladamente, como comunicação suficiente. Elas têm o poder de transmitir, sozinhas, um significado completo. Portanto, essas formas são livres, têm liberdade de serem auto suficientes...
Formas livres mínimas: Os vocábulos desse tipo de forma não excedem seus limites. Ou seja, não podem ser mais divididas, pois estão na sua forma mínima. Exemplos: paz, bem, luz... 



     Formas presas: As formas presas não funcionam sem uma ligação com outras formas. Elas não são livres para saírem transmitindo significados, sempre dependerão de uma ajuda para forma um vocábulo. Apesar de ser uma forma restritiva, ela tem uma importância grande pois dá sentidos diferentes aos vocábulos. Como por exemplo é a função de -re nas palavras rever, relembrar, refazer, reviver.



    Segundo a proposta de Bloomfield, essas são as três formas que constituem o vocábulo formal. Porém com  o passar do tempo, viu-se necessário adicionar mais uma forma à essas três. É aí que então, o grande linguista brasileiro Mattoso Camara Júnior (1967) propõe as formas dependentes.

Formas dependentes: Essas formas não funcionam como enunciado, mas ajudam não construção de frases e orações. É o caso dos artigos, conjunções e preposições, por exemplo.


Visto isso, a palavra pode ser constituída de:
* uma forma  livre mínima; indivisível = leal; luz; paz; bem.
* duas formas livres mínimas = beija-flor; couve-flor.
* uma forma livre e uma ou mais formas presas = leal-dade; in-feliz-mente.
* apenas de formas presas = im-pre-vis-ível.

     Por fim, agora que já aprendemos sobre as formas que constituem o vocábulo, podemos concluir que o vocábulo formal é a unidade que se chega quando não é mais possível a divisão de duas ou mais formas livres. As imagens foram colocadas com a intenção de inserir um gênero textual diferente, que é a imagem, e que se harmoniza com o tema que foi falado nesta postagem. Portanto, a primeira imagem nos transmite um sentimento de liberdade, o que se associa as formas livres. Na segunda foto vemos um arame farpado que geralmente é usado em cercas e também nos lembra algo que está preso, assim como as formas presas de palavras. Por último, a terceira imagem nos mostra a relação entre pai e filho, que também é uma relação de dependência assim como as formas dependentes proposta por Mattoso Camara Júnior.




domingo, 28 de abril de 2013

A grande variedade das línguas





     A língua tem uma enorme importância para a sociedade. Além do caráter comunicativo, a língua engloba aspectos sociais, culturais e até mesmo econômicos. O grande autor Roland Barthes, escreveu: "A linguagem é como uma pele: com ela eu contacto com os outros." Como é bom saber que no mundo temos uma variedade linguística enorme!
    Por causa dessa grande variedade, percebeu-se quão fundamental era classificar, de alguma maneira, essas línguas. E é sobre isso que falarei hoje...  Como esse blog propõe abordar os temas da morfologia de um modo mais simplificado, começaremos por um tema muito importante dentro dessa área, que é a tipologia morfológica.
    Segundo o dicionário online Aurélio tipologia é o “estudo dos traços característicos de um conjunto de dados, visando determinar tipos, sistemas.”  Visto isso, de que trata então a tipologia morfológica? Esses estudos morfológicos, relacionados a tipologia, tiveram início com Adam Smith (1761) e se desenvolveram a partir do século XIX, sobretudo na Alemanha, por meio dos irmãos Freidrich e August Schlegel. Segundo Greenberg, (1974, apud PRIA s.d) os primeiros registros do termo 'tipologia' na literatura linguística datam das teses apresentadas pela Escola Linguística de Praga no Primeiro Congresso de Filólogos Eslavos. As definições linguísticas partem da hipótese de que as línguas naturais variam, sendo possível, no entanto, considerar várias dependências dentre as propriedades variantes e propor “tipos”. A respeito do objeto de estudo, dizemos que essa área se preocupa em tipificar (como a própria palavra diz) as línguas do mundo, atribuindo-lhes características. Veremos agora quais são essas tipologias e alguns exemplos.

A primeira de que falaremos é língua isolante (ou analítica). As línguas que tendem* a ser isolantes têm uma característica peculiar. Todas as palavras dessas línguas são raízes, não possuem flexão e não podem ser segmentadas, por isso tendem a ser mais tonais. Como por exemplo, o vietnamita e o chinês. Existem também as línguas aglutinantes, que combinam raízes e afixos diferentes para expressar relações gramaticais, como por exemplo, o turco, o japonês e o húngaro. Outra classificação engloba as línguas flexionais ou sintéticas, que combinam raízes com elementos gramaticais, formando palavras que não podem ser segmentadas na base de ‘um som e um significado’, ou um afixo para cada significado como é o caso das aglutinantes. Ou seja, cada morfema contém muitas informações. Esse é o caso da nossa querida língua portuguesa, e também do russo.

Segundo a proposta de Humboldt (1836), existe uma quarta classificação: línguas polissintéticas/incorporantes, que têm a característica de elaborar em uma única palavra muitos morfemas que seriam palavras diferentes em outras línguas. Um exemplo é a língua esquimó, falada principalmente no Alasca.

Agora que falamos um pouquinho sobre a parte teórica, seguem aqui algumas músicas cantadas nas línguas que estudamos hoje. (Infelizmente não encontrei músicas na língua esquimó, que é um exemplo de polissintéticas, porém disponibilizei um vídeo de uma música em Inuktitut**)


                   1) Música em chinês, um exemplo de língua isolante;

2) Música em turco, exemplo de língua aglutinante;

3) Música em russo, exemplo de língua flexional;


4) Múscia em Inuktitut, língua polissintética





* As línguas não pertencem exclusivamente a um tipo, e sim reúnem aspectos predominantes que as caracterizam em determinada tipologia. 

** Inuktitut é uma língua falada no Canadá, em todas as áreas ao norte da Linha das Árvores, incluindo parte das províncias de Terra Nova e Labrador, Quebec, no nordeste de Manitoba e o território de Nunavut, os territórios do noroeste, e, tradicionalmente, na costa ao Oceano Ártico de Yukon. Pertence à família esquimo-aleutiana de línguas. E também pode ser classificada como língua polissintética.